Bem, vamos lá!
Quando estava ainda na faculdade, sem saber direito qual rumo tomar, ou qual
linha seguir dentro das muitas possibilidades que a psicologia apresenta, tive
meu primeiro contato com a Gestalt- terapia, ela me foi apresentada como uma
terapia cheia de influências também denominada a terapia do aqui e agora.
Fiquei curiosa tentando imaginar como seria isso.
Na época,
lembro também, de ter escutado falar por um professor da faculdade, que tinha
ido a um workshop de Gestalt em que os participantes se abraçavam e abraçavam
árvores. Quando me vi sendo chamada pela Gestalt, fiquei com medo dessa terapia
que mais me parecia na época “coisa de doidão” e não entendia bem o que era
isso tudo!
Ao iniciar a
formação, percebi que esse rótulo meio hyppie
da Gestalt, na verdade era seu grande charme e que, também é uma teoria séria,
embasada e de muito conteúdo e forma. Logo nas primeiras vivências e
experimentos da minha formação, vi através da “teoria paradoxal da mudança”,
que diz que mudamos quando retornamos a nossa essência, que desconstruir o que
o social ajudou a construir, desmistificar conceitos e estar mais aberto para o
novo, ou como a própria teoria diz para experimentar o “vazio fértil”, ou seja,
em momentos de mudança, se permitir viver o vazio, o limbo do não saber, lugar
onde estão as infinitas possibilidades. Conceito esse sábio e emprestado da
filosofia oriental, fez todo o sentido para mim, desde então me apaixonei!
Mais
formalmente dizendo, a Gestalt- terapia é uma abordagem psicoterapêutica
nascida da inter-relação de várias escolas filosóficas e teóricas a partir da
organização específica do seu criador, Frederick Perls.
Não entrarei
em detalhes aqui nesse texto, somente citarei algumas das bases filosóficas da
Gestalt- terapia: Humanismo, Fenomenologia,
Existencialismo, Filosofia Dialógica, Teoria de Campo, Teoria Organísmica de
Goldstein, Teoria Holística de Smuts. Além das correntes filosóficas Perls,
estudou os principais conceitos de Freud, Reich, Moreno e também se influenciou
fortemente pela filosofia oriental, especialmente o Zen Budismo.
Na
Gestalt-terapia o processo é extremamente importante, assim como a construção
da relação junto ao terapeuta. Podemos dizer que a relação
campo-organismo-meio, define a existência humana, sendo impossível conceber o
ser humano fora do contexto no qual ele está inserido e das relações que
estabelece.
Uma das
influências da Gestalt a fenomenologia, estimula o terapeuta estar presente,
focado no fenômeno, no que acontece durante a sessão, de forma que o conteúdo
apresentado na sessão, possa ser trabalhado. Vou dar um exemplo: o terapeuta está
com seu cliente na sessão e percebe que este começa a balançar os pés, esse
gesto, será percebido, relatado para o cliente e trabalhado na sessão.
O cliente é
visto por seu terapeuta em sua totalidade durante a sessão: corpo, gestos, expressões
faciais, respiração e algum acontecimento pontual que se apresente, serão
considerados material a ser utilizado pelo terapeuta e farão parte do fenômeno.
Podemos ainda
falar da relevância do como sobre o porquê. Quando perguntamos “porquê”,
fazemos com que a pessoa volte ao passado e quando perguntamos “como”, fazemos
ela se referir a experiência presente e descrever o que e como está fazendo
agora.
Outro ponto
marcante na teoria é prevalência da forma sobre o conteúdo. O que é falado na
sessão tem muita importância sim, mas a forma como é dito, ou como o cliente se
parece quando fala sobre algum assunto para o terapeuta é de extrema
importância. Por exemplo, o cliente vem reclamar de ter uma determinada doença,
seu discurso é todo de reclamação sobre essa doença, no entanto, a forma como conta,
mostra uma certa alegria e até apreço por aquela doença. O terapeuta ao ter
essa percepção, descreverá ao cliente suas impressões de modo que questione se
esta impressão faz algum sentido ao cliente. Sendo assim o cliente poderá se
questionar sobre o que verdadeiramente sente sobre aquele assunto.
Principais conceitos da Gestalt-terapia
A Gestalt-terapia tem inúmeros
conceitos importantes, sendo impossível falar de todos eles em um breve texto,
por isso, escolhi da teoria alguns dos principais conceitos, para que se possa
entender melhor o funcionamento da mesma.
É chamando de AWARENESS o processo de se dar conta organísmicamente, ou seja, de
corpo e alma, sobre algum modo de ser ou agir, que até então estava oculto. Somente
quando um indivíduo consegue se dar conta dos movimentos que tem feito, de suas
escolhas e de sua participação nos resultados que tem obtido, é que pode optar
por escolher de novo, e desta forma poder fazer escolhas mais conscientes,
saudáveis e congruentes com seu modo de ser autêntico.
Estamos constantemente buscando a AUTO-REGULAÇÃO ORGANÍSMICA, ou a
homeostase que faz com que o organismo se equilibre e mantenha sua saúde, sob
condições diversas. A homeostase é um processo que proporciona ao organismo a
satisfação de suas inúmeras necessidades, que ao emergirem desequilibram o
organismo, fazendo com que o processo homeostático ocorra o tempo todo. Estamos
em constante processo de auto- regulação e buscamos no contato com o meio
satisfazer nossas necessidades. Como por exemplo em caso de sono, buscamos
dormir, em caso de fome, procuramos comida e assim por diante.
No processo de auto-regulação, estão presentes os elementos FIGURA E FUNDO, a necessidade a ser
satisfeita é a figura e a que passa em segundo plano é o fundo. A figura e
fundo se alternam constantemente e são interdependentes. Em algum momento a
figura pode virar fundo e vice-versa. Como por exemplo, uma pessoa ao chegar em
casa tem sede e ao mesmo tempo precisa dar um telefonema, se a sede for figura,
após ser saciada passará a ser fundo e o telefonema aparecerá como figura.
Utilizamos muitas vezes o AJUSTAMENTO CRIATIVO, que é como vamos
ajustando o nosso modo de agir para conseguir com mais rapidez atender as
nossas necessidades. Queremos ser aceitos, amados e bem-sucedidos em nossos
projetos, mas nem sempre conseguimos êxito, já nas primeiras tentativas. Através de pequenos ajustes e de forma
criativa, vamos elaborando e refinando nosso modo de agir, de forma a conseguir
atingir nossos objetivos. O próprio processo de um bebê que está aprendendo a
andar, requer inúmeros ajustamentos criativos, que vão desde o engatinhar, se
pendurar nos móveis, cair e levantar várias vezes, até que... finamente o
objetivo de andar é atingido... BINGO!!
Ter saúde não significa apenas
estar livre de doenças, saúde é muito mais que ausência de doença, é a
capacidade de estarmos no mundo plenamente. O conceito de SAÚDE E DOENÇA para a Gestalt é mais amplo, ou seja, é a exploração da potencialidade que
exercemos na construção de um bem-estar, que transcende a busca de um
equilíbrio momentâneo. Se uma pessoa diz ser saudável, mas está em um emprego
que lhe suga as energias, em um relacionamento fracassado e com falta de
vitalidade, energia, stress e insônia, será que realmente podemos considerá-la
saudável, utilizando um conceito de saúde holístico?
O contato ocorre entre o
indivíduo e o meio, pode ser de boa qualidade ou de má qualidade. CONTATO E FUGA é um conceito muito
utilizado. O bom contato é aquele em que há a aproximação, seguida de nutrição
e posteriormente o afastamento. Neste tramite entre contato e fuga está o ciclo
do contato em que são explicados os mecanismos de interrupção de contato (fuga)
que em muitos casos impedem os indivíduos de se relacionarem de forma saudável
e satisfatória com o meio.
A pele é uma grande FRONTEIRA DE CONTATO, ela separa o
exterior do interior, assim como pode ser uma proteção, serve também como
isolamento. Uma boa analogia sobre a fronteira de contato é a permeabilidade
seletiva da membrana plasmática em funcionamento saudável de nossas células,
que somente deixa entrar na célula as substâncias nutritivas para a mesma,
barrando os componentes desnecessários ou ameaçadores.
Na Gestalt- terapia utiliza-se
também os EXPERIMENTOS, que são
artifícios que auxiliam o cliente a sair da racionalização e viva uma
experiência sobre o tema que está sendo abordado na sessão, podendo
fenomenologicamente sentir e se dar conta de como age em determinadas
situações. O experimento é para o terapeuta também fenomenológico, pois não é
previamente preparado, surge para o terapeuta no momento da sessão, em que são
utilizadas como ferramentas, objetos do próprio ambiente.
Vale ressaltar também, o trabalho
do terapeuta, que pode utilizar de técnicas de respiração e também de “tarefas
de casa” para que seu cliente possa se dar conta de seu próprio corpo, de como
o percebe, de suas emoções localizadas no corpo, de suas necessidades e formas
de expressão das mesmas. Há o estimulo ao uso das funções de contato: visão,
audição, olfato, paladar, tanto dentro como fora da sessão, de forma que o
sentir comece a ser aguçado. E que desta forma o cliente possa orientar-se em
suas tomadas de decisão e em suas escolhas também através de seus sentidos e
não somente baseado em sua racionalidade.
Por fim, vale deixar aqui
registrada a oração da Gestalt, que de forma simples e objetiva, nos dá uma boa
perspectiva do modo de pensar de seu fundador Frederick Perls:
ORAÇÃO DA GESTALT
“EU FAÇO AS MINHAS COISAS, VOCÊ FAZ AS SUAS.
EU VIVO DE ACORDO COM AS MINHAS EXPECTATIVAS
VOCÊ VIVE DE ACORDO COM AS SUAS.
VOCÊ É VOCÊ E EU SOU EU.
E SE POR ACASO NOS ENCONTRARMOS, SERÁ LINDO
SENÃO, NADA A FAZER." (FRITZ PERLS)
BIBLIOGRAFIA
KIYAN Ana Maria, M. E a Gestalt emerge. Editora Altana, São
Paulo, 2001.
PERLS, F. HEFFERLINE, R. GOODMAN, P. Gestalt-Terapia. São
Paulo, Editora Summus, 1977.
POLSTER, M., POLSTER, E. Gestalt-Terapia integrada. São
Paulo, Editora Summus, 2001.
YONTEF, G. M. Processo, Diálogo e Awareness. São Paulo,
Editora Summus, 1998.
ZINKER, J. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo,
Editora Summus, 2007.